quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

“Os deuses e deusas da mitologia grega – tópicos em redor de um documentário de Bram Rosse

A análise a este documentário vem no seguimento do estudo dos pré-socráticos, na disciplina de História da Filosofia Antiga. Este documentário pode dividir-se em duas partes: a religião grega e as suas repercussões no mundo romano e no cristianismo.
Antes de tudo, as Graças deram a beleza ao homem e as Musas as suas características. As Musas, filhas de Zeus e Mnemósine e habitantes de Olimpo, aparecem pela primeira vez no “Hino às Musas”, da Teogonia, de Hesíodo (1-115). São nove: a mais velha, Calíope, Clio, Euterpe, Talia, Melpómene, Terpsícore, Erato, Polímnia, Urânia. . Calíope sempre foi tida como a mais notável, a companheira dos reis, a que inspirava na administração da justiça. Às outras, pela sua fama de inspiradoras, foram-lhes atribuídas as artes, na época romana tardia. Assim, Calíope ficou com a Épica heróica; Clio, com a História; Euterpe, com a Música; a Comédia foi dada a Talia; a Tragédia, a Melpómene que, subsidiariamente, era a Musa do Canto e da Música; a Dança era a arte de Terpsícore; a Poesia Lírica, de Erato; a Mímica pertencia a Polimnia; e a Astronomia, a Urânia.

Os gregos tinham muito orgulho na forma humana, por isso atribuíram-na também aos deuses. Os deuses faziam o que lhes apetecia, eram superiores, mas estavam sujeitos às mesmas paixões, falhas e fraquezas que os homens. E estes tinham de refrear os seus apetites, por temor aos deuses, que não eram perfeitos, mas poderosos. Aliás, os homens criticavam os deuses.
Como vemos, o homem grego teve necessidade de criar estas entidades superiores para reger as suas relações sociais, a quem agradecer os seus dons e a quem atribuir as culpas dos seus males.
As Cidades-Estado gregas eram autónomas, embora tivessem língua, cultura e comércio comuns. Isto possibilitou que existissem deuses comuns a todas as Cidades e deuses privados. Temos Atena, Zeus, Hermes, Hera, Eros, Efesto, Poseidon, Pan, Artémis, Demeter e tantos outros, cada um com as suas características, as suas histórias, os seus poderes e vinganças. Até havia um altar para venerar o deus desconhecido, não fossem os gregos esquecer-se de algum, que os podia castigar, por não ser adorado. Os Jogos Olímpicos eram uma forma de celebrar e honrar os deuses, oferecendo-lhes os atletas o seu gasto de energia, o seu suor, as suas vitórias.
É neste contexto que a filosofia e o mundo intelectual encontram condições para florescer, em Atenas e por toda a Grécia: os gregos racionalizavam tudo.
Começam a questionar-se sobre a sua existência, a causa, a origem: para Tales de Mileto, a origem de tudo está na água: “todas as coisas estão cheias de deuses”, diz. Para ele, a água é o deus supremo.
Dois contemporâneos seus encontram outras primeiras causas para tudo o que existe: para Anaximandro, o primeiro princípio de tudo é o Indeterminado; para Anaxímenes, é o ar infinito.
Mas nestes Autores ainda não encontramos o conceito de deuses como o conhecemos; para eles, deuses são dotados de uma energia física, intelectual e afectiva bem à maneira natural e antropológica. Não pensam os deuses como hoje pensamos Deus, o Criador de todas as coisas, inclusive do homem. Ainda que os deuses sejam mais poderosos, homens e deuses concorrem. E misturam-se.
O documentário põe em evidência o lugar sagrado de Delfos. Em Delfos, vivia a sacerdotisa Pitia. Neste oráculo, podia perscrutar-se o futuro. Governavam Delfos Apolo e Dionisos. Apolo é a símbolo da ordem pública, da razão. Dionisos, por seu turno, simboliza a desordem, a vitalidade, a bebedeira, o excesso. Esta dicotomia foi sempre tão forte e influente que atravessou a História até Nietzsche, que n’O Nascimento da Tragédia opõe o espírito apolíneo ao espírito dionisíaco, a arte do escultor e a arte da música isenta de imagens; o sonho e o êxtase.
Além dos deuses do Olimpo, os gregos admitiam também as divindades do mundo subterrâneo, habitado por existências sombrias, onde não havia vida consciente. O seu lugar terrível estava identificado como o Hades.
Para os gregos, é claríssima a distinção entre o corpo e a alma. Vejamos o que Platão põe na boca de Sócrates, no diálogo Fedro: “O ser vivo e mortal é o conjunto do corpo e da alma, solidamente ajustados um ao outro (…) Deus é um ser vivo imortal que possui uma alma, que também possui um corpo, ambos unificados para uma duração eterna” (246c).
A alma – psique (respirar) – do recém-morto há-de atravessar o Rio Aqueronte, levada por Caronte, até ao Hades. A morte é a eternidade de sonhos vazios. Existem dois níveis, no Hades: o Erebus, para onde as almas vão logo a seguir à morte, e o Tartarus, para onde vão as almas que ofenderam os deuses.
Foram os homens gregos que criaram esta religião olímpica, por precisarem de uma alteridade a quem entregassem o poder, a fim de serem regidos desde cima e, não, uns pelos outros. E, agora, tudo lhes chega desde o exterior, provindo dos apetites, dos sentimentos e das paixões dos seus deuses. Assim era o mundo religioso grego.
A segunda parte do documentário fala-nos da incidência da religião grega nos romanos e no cristianismo.
Os romanos descobriram a religião grega no séc.III a. C. e sobrevalorizaram-na: atribuíram nomes romanos aos deuses gregos e deram-lhes um estatuto ainda mais elevado.
Com a extensão do Império até à Judeia, é normal que o cristianismo beba das culturas grega e romana. Em especial, o Apóstolo Paulo, cidadão romano, que viaja pelo Império Romano e pelas ilhas gregas. Chega a falar no Areópago acerca do verdadeiro Deus, Criador de todas as coisas e perto de cada um dos homens (Act 17, 22-27). Esta é uma novidade: um Deus único.
Os alicerces gregos ajudaram à propagação do cristianismo, ainda que não tenham relação directa. Podemos notá-lo nestes três exemplos:
1) Jesus, Filho de Deus, nascido de uma mortal (como os heróis gregos).
2) O conceito de pecado derivado do termo grego amarthia, falhar o alvo.
3) A moralidade pessoal, questão abordada já nos mitos gregos.
Todos estes elementos mostram que a religiosidade grega e a problemática em seu torno é uma questão actual, atravessou milénios
Terminamos com a última ideia do documentário: há uma força enorme que controla os humanos. Temos de a respeitar. A consciência da existência desta força e as perguntas sem resposta fizeram as questões gregas chegarem até hoje.

Bibliografia:
Bíblia Sagrada, Actos dos Apóstolos, 17, 22-27.
Logos – Enciclopédia Luso-Brasileira de Filosofia,Verbo: Platão.
Gauchet, Marcel - “A dívida do sentido e as raízes do Estado. Política da Religião Primitiva”, em AAVV, Guerra, Religião, Poder, Lisboa: Ed. 70, 1980, p. 51-88.
Gilson, Étienne. – Deus e a Filosofia, trad. de Aida Macedo. Lisboa: Ed. 70, 1941.
Nietzsche, F. – Nascimento da Tragédia, Trad. de Helga Hoock Quadrado. Lisboa: Relógio d’Água Editores, Junho de 1997.
Platão – Fedro. Trad. de Pinharanda Gomes. Lisboa: Guimarães e C.ª Editores, 1981.

Texto de Samuel F. Beirão,
aluno do 1º ano da licenciatura em Filosofia

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