sábado, 20 de dezembro de 2008

Quem disse que os jovens não apreciam a filosofia? Resultados de um inquérito.

No Dia Mundial da Filosofia, conforme aqui demos a conhecer, a nossa Faculdade organizou umas Jornadas de reflexão acerca da importância vital da filosofia na sociedade e nos mais diversos sectores das actividades. Nesse encontro estiveram presentes várias turmas de filosofia de escolas do ensino secundário de Braga. No final, em jeito de balanço, pediu-se aos alunos que, livremente, respondessem ao questionário que aqui mostramos. A esmagadora maioria dos alunos presentes na Aula Magna respondeu a este desafio. As suas respostas constituem para nós o pretexto desta breve reflexão.
Tais respostas manifestam, inequivocamente, um grande interesse pela filosofia materializado na forma como foi avaliada a comemoração da efeméride. Valorizam a filosofia como arte de pensar, consideram-na (90%) útil e muito útil na sua vida pessoal, e perspectivam-na (80%) como aplicável e muito aplicável na vida profissional. É importante salientar que ninguém considerou a filosofia como algo dispensável ou inútil.
Estes dados dão que pensar, pois vão numa linha diametralmente oposta à da maioria das ideias-feitas acerca desta disciplina, e questionam directamente a mentalidade que influencia os decisores que a querem banir do ensino e do espaço público.
Não é segredo para ninguém que a filosofia tem sido nestes últimos anos bastante menosprezada no sistema educacional do nosso País. Com efeito, no ensino secundário a disciplina de filosofia está cada vez mais relegada para segundo plano, como se o sistema pudesse passar incólume sem a disciplina que tem por missão ensinar a pensar criticamente, que é essencial à formação da personalidade, à busca de sentido e humanização, capaz de denunciar as várias formas de manipulação (consumismo, totalitarismo, relativismo radical) como advogou D. Manuel Clemente nas Jornadas Pedagógicas, realizadas também na FacFil (21 de Novembro de 2008).
No 12º ano (ensino secundário) a situação da disciplina de filosofia é ainda mais escandalosa, tendo passado a mera opcional, não constituindo disciplina específica de ingresso ao ensino superior, nem mesmo para o curso de Filosofia!! Deste escândalo e da sua repercussão no afastamento dos alunos desta área de estudo, nos dá conta o filósofo José Gil na Revista “Visão” de 12 de Outubro de 2006. Também nesta linha, a professora de filosofia Maria Luísa Guerra declara: «em Portugal assiste-se ao inédito. Pela primeira vez em mais de um século (desde a reforma de Jaime Moniz, em 1895) destruiu-se decisivamente a Filosofia no ensino secundário». E analisa que «em Portugal desvaloriza-se o exercício do pensamento, o rigor da análise, a descoberta de paradigmas e de valores, a discussão de problemas, a formação do espírito crítico, a reflexão sobre a aventura humana, parâmetros específicos da Filosofia e do seu ensino.» (cf. “Jornal Público”, 28 de Junho de 2008).
Aparentemente, de nada têm servido os avisos e os recados provindos de muita gente da área da cultura, das artes, das ciências. Ainda recentemente, grandes personalidades, como João Lobo Antunes (medicina), Nuno Crato (matemático) e Carlos Fiolhais (físico) consideravam um "erro grave" o desinvestimento no ensino da filosofia (cf. “Jornal Público”, 16 de Dezembro de 2006).
José Gil vai ao fundo da questão, conectando o actual menosprezo pela Filosofia com a mentalidade tecnocrática e economicista onde tudo se mede exclusivamente pela produtividade económica. Vivemos numa cultura moldada pela propaganda política e ideológica que aposta tudo nas novas tecnologias, como se isso fosse algo que desse realmente formação humana de excelência a uma pessoa. A esta luz, para os apologistas do famigerado “Magalhães”, a filosofia aparece como algo que está a mais, algo de natureza nefasta. É ainda aquele filósofo que, remando contra a maré, mostra o poder que a Filosofia tem de gerar criatividade «(…) sabe-se que o ensino da Filosofia para crianças abre extraordinariamente as competências dos alunos na aprendizagem das outras disciplinas. (…) alarga o conhecimento, estabelece pontes novas entre domínios científicos diferentes, proporcionando a criação de novos objectos e novas disciplinas. O trabalho do conceito é um trabalho de criação, e a Filosofia é, antes de mais, criação de pensamento. Daí as suas repercussões, da política ao design — atravessando toda a cultura, a arte e o conhecimento; assim como na ética e prática da democracia. Daí a sua importância para a educação da cidadania. Seria um erro profundo crer que se pode fazer a economia da Filosofia no processo actual de transformação que o mundo vive — e em particular, em Portugal. “Sem a música, a vida seria um erro”, escreveu Nietzsche. Extrapolando: “Sem a Filosofia, a vida seria um erro”» (in Revista “Visão”, 12 de Outubro de 2006). As opiniões dos jovens estudantes que nos visitaram confirmam plenamente a justeza deste comentário.

Texto elaborado por Domingos Faria, aluno de
Filosofia da Universidade Católica a estagiar na APAEF

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